Polícia aponta que deputada não era alvo de câmeras escondidas; MP pede arquivamento do caso

By Klein Bauer
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Ex-dono do apartamento prestou depoimento e disse que instalou equipamentos há cerca de 10 anos para evitar furtos; perícia apontou que deputada não foi gravada

Os investigadores Polícia Civil do Distrito Federal descobriram que o responsável por instalar as câmeras escondidas no apartamento onde morou a deputada federal Dayany Bittencourt (União-CE) é um ex-dono do imóvel.

Em depoimento, ele disse ter montado os equipamentos há cerca dez anos para “evitar furtos”.

Interrogado pelos policiais, o ex-proprietário – um dentista da capital federal – declarou que foi dono do apartamento e que morou no local entre 2011 e 2020.

Ele assumiu que, à época, mandou instalar três câmeras no imóvel, que fica em um hotel de alto padrão às margens do Lago Paranoá e vizinho ao Palácio do Alvorada, residência oficial da Presidência da República.

As câmeras foram escondidas no banheiro (apontada para o armário), uma de frente para um barzinho, na estante da cozinha, e outra na parede do quarto, voltada para a cabeceira da cama.

Investigação
Antes de chegar ao dentista, a polícia localizou o técnico contratado para montar a rede de equipamentos de gravação no apartamento. O profissional chegou a dizer aos policiais ter achado estranho instalar uma câmera no banheiro. A CNN teve acesso ao depoimento.

Veja o que diz o documento:

“Ele [o técnico] afirmou que ‘se recorda de ter feito a instalação de câmeras também numa unidade do hotel que pertencia a um senhor de aproximadamente cinquenta anos de idade, cujo nome não se recorda, sabendo que era dentista. O declarante se recorda de haver instalado uma câmera no banheiro da unidade, o que chamou sua atenção. Lembra ainda que ficou instalado um DVR no teto da unidade, no qual ficava um HD, que podia ser acessado remotamente. Esclarece que para acessar o DVR, ele precisa estar conectado à Internet. O declarante acredita que essa instalação ocorreu entre sete a dez anos atrás. Lembra bem que a câmera ficou escondida, pois foi instalada num detector de fumaça. Também lembra que foram instaladas de três a quatro câmeras no imóvel, de modo que, além do banheiro, foram instaladas também na sala e na cozinha”, disse o homem em depoimento à polícia.

Dentista
Com essa informação, os policiais encontraram o responsável por contratar a instalação. Aos investigadores, o dentista afirmou que adquiriu os equipamentos porque “estava desconfiando que a camareira estava subtraindo alguns objetos”.

Contudo, também afirmou que “nunca aprendeu a acessar o sistema corretamente, de modo que as câmeras não cumpriram com sua finalidade”.

O ex-proprietário disse que, ao vender o imóvel, não se lembrou de avisar à nova dona da unidade sobre a existência das câmeras.

E, ao fim do depoimento, reforçou que “não teve acesso a nenhuma imagem que possa ter sido capturada por esse sistema quando ainda morava no local e nem após ter se mudado”.

Imagens
Além de realizar os depoimentos, a Polícia Civil realizou perícia técnico-científica em todos os aparelhos encontrados e nas imagens gravadas.

“Todos os 164.325 registros audiovisuais (349 GB) que estavam temporariamente armazenados neste Instituto de Criminalística, referentes ao Laudo de Perícia Criminal foram extraídos e gravados no HD externo”, diz trecho do documento obtido pela reportagem.

Com base na investigação, a polícia atestou que a parlamentar não foi alvo de espionagem.

“Não restam dúvidas de que a instalação encontrada foi feita anteriormente à sua locação pela comunicante/vítima da ocorrência, Dayany, descartando, portanto, a suspeita de que ela fosse o alvo da ação”, diz o documento.

A polícia finaliza afirmando que não houve crime. “Diante das informações constantes nos relatórios anteriores e no Laudo de Perícia Criminal 206/2024, podemos afirmar que nenhum fato criminoso foi constatado que corroborasse com as suspeitas iniciais de violação de domicílio”.

Ministério Público pede arquivamento
Com o inquérito da polícia concluído, o Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) pediu, nessa sexta-feira (26), arquivamento do caso.

“De fato, embora verossímeis as informações trazidas na notícia crime de captação de imagens em dispositivo de filmagem oculto, não foram identificados quaisquer vínculos entre a instalação do equipamento de filmagem, nem qualquer correlação entre gravação destes e a noticiante [deputada]”, diz a peça assinada pelo promotor Bruno Osmar Vergini de Freitas.

O MP também ratificou que, com base nas investigações e perícia técnico-científica, não foram encontradas imagens da intimidade da parlamentar. A Polícia Civil analisou 165 mil registros.

“Do mesmo modo, infere-se do arcabouço investigativo que não foram identificados imagens da intimidade da vítima”, diz o documento do Ministério Público.

“Logo, não foram evidenciados lastros de um possível conluio criminoso para que a instalação encontrada na unidade foi feita posteriormente à sua locação pela comunicante/vítima da ocorrência, DAYANY, descartando, portanto, a suspeita de que ela fosse o alvo da ação ou que se apartamento tivesse sido violado, pois há indicação razoavelmente seguro que as gravações e instalação do dispositivo foram realizados por inquilino anterior que não informou o fato para a proprietária”, aponta o promotor.

Ao indicar o arquivamento, o MP ainda diz que “não se vislumbram, no momento, outras diligências e/ou linhas investigativas capazes de comprovar a materialidade delitiva”, mas que o caso é passível de reabertura.

O pedido foi enviado à Justiça, que deve decidir se arquiva o caso ou redistribui a outro promotor para novas diligências.

Deputada
A CNN procurou a deputada federal Dayany Bittencourt para comentar o resultado da investigação, mas a assessoria da parlamentar informou que ela não vai se posicionar sobre o assunto.

Em 17 de abril, a parlamentar denunciou em suas redes sociais ter encontrado quatro câmeras e um microfone escondidos no apartamento onde ela morava. Os equipamentos foram encontrados em 28 de agosto de 2023, quando a Polícia Civil do Distrito Federal assumiu as investigações.

Foram identificadas quatro câmeras espiãs, microfones, cabos de internet e um aparelho gravador DVR, um aparelho de modem.

Na quarta-feira (24), a deputada reuniu-se com Manoel Carlos de Almeida Neto, ministro da Justiça em exercício, para pedir avanço nas apurações, que estão sob o comando da Polícia Civil do DF.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), então, determinou na quinta-feira (25), em ofício ao diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, que a corporação investigue o caso.

“A minha tristeza não vem apenas pela invasão da minha privacidade, mas também da constatação de que ainda temos um longo caminho a percorrer para garantir segurança, até mesmo dentro de nossos lares”, declarou a deputada em nota.

A investigação corria em segredo de justiça até a última semana, mas a parlamentar decidiu procurar o Ministério da Justiça porque, segundo ela, não teria obtido “resposta firme” contra os criminosos.

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